“…Juazeiro, Juazeiro
Me arresponda, por favor
Reconstrói a minha história
Direciona meu cursor
Revejam o meu passado
E apontem pra que lado
Vou florir, sendo o que sou…”
Foi assim, com cordel e cantoria, que se iniciou a Oficina para construção da linha do tempo do município de Juazeiro, realizada ontem (15), no Centro de Formação Dom José Rodrigues. A atividade que integra as ações do projeto Cultivando Futuros, executado pelo Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa) em Juazeiro-BA, teve como objetivo reconstruir a história do município, a partir de fatos marcantes que contribuíram para formar o modo de vida das pessoas do campo e da cidade, possibilitando a compreensão de diversas questões que estão interligadas e geram impactos, principalmente, nas comunidades e periferias.
Para o resgate da história de Juazeiro os/as participantes foram divididos em dois grupos, que tiveram como atividade rememorar marcos importantes, compreendendo os seguintes períodos: antes de 1989; 1990 a 1999; 2000 a 2015; e 2016 a 2024. As equipes fizeram levantamentos e reflexões sobre 11 dimensões fundamentais para entender a formação e a conjuntura atual do município, são elas: atividades agrícolas e não agrícolas, tipos de agroecossistemas, meio ambiente, estrutura agrária, organização da agricultura familiar, cultura e religiosidade, conhecimento, mercados e beneficiamento, infraestrutura, ações do Estado e políticas públicas, desafios e ameaças. Posteriormente, houve a apresentação e construção em plenária, na qual foi possível compartilhar detalhes das discussões nos grupos e acrescentar outras informações.
Olhar para essas dimensões possibilita, por exemplo, observar que “a política pública está na sua maior parte nos dois últimos períodos. Depois dos anos 2000, com a eleição de Lula, a política pública começa a fazer parte da vida das comunidades, dos municípios, das organizações, chegando várias leis e projetos”, como destaca o coordenador institucional do Irpaa, Clérison Belém.
Com essas informações reunidas é possível contribuir com a discussão, elaboração e cobrança da efetivação de projetos e políticas públicas alinhadas à realidade local. Nesse sentido, Clérison complementa que também é uma forma de fortalecer a participação ativa da sociedade civil organizada. “Pautar projetos que estão chegando a colocar a realidade do município. Juntar essas informações para fazer incidência e a incidência não é só a instituição que faz, a incidência melhor é quando os sujeitos da ação, do território que estão sendo ameaçados luta por seus direitos e também busca políticas públicas apropriadas”.
Também foi abordado sobre as ameaças que giram em torno do município, principalmente, das comunidades tradicionais de Fundo de Pasto, com o avanço das chamadas energias renováveis, usinas solares e eólicas, que invadem os territórios; além da importância das comunidades defenderem seu modo de vida.
Sobre essa situação, o agricultor Pedro Duarte Conceição, mais conhecido como Pedrinho, da comunidade tradicional de Fundo de Pasto Cachoeirinha, considera que a oficina possibilitou “uma troca de experiência muito importante para as comunidades, inclusive aquelas comunidades tradicionais que nem a nossa que é o Fundo de Pasto. É uma preocupação muito grande que a gente tem pelas comunidades de Fundo de Pasto, porque tudo que tem acontecido na região é em cima daquelas áreas! Parece que todo mundo quer tirar proveito e nós vamos trabalhar em cima disso para que a gente, cada dia, permaneça zelando os Fundo de Pasto, para que, no futuro, quem chegar veja que a gente sabe o que é um trabalho comunitário”.
A professora Maryangela Aquino, docente da graduação em Direito e coordenadora do Observatório Popular da Mineração e Eólicas, da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), em Juazeiro, que também participou da oficina, frisou a relevância de ações coletivas como essa. “Essa linha do tempo é muito importante, porque faz a gente se situar na história do passado, do presente e termina com essa questão dos desafios e das ameaças de um futuro próximo. E tudo isso, a gente viu aqui a participação, envolvimento de todas as pessoas. E acho que esse trabalho, que não se encerra aqui, é importante para pautar essas políticas públicas municipais”.
O resgate da memória do município também colabora para o fortalecimento da identidade e autoconhecimento dos povos, como menciona a representante da Associação Nacional Cultural de Preservação do Patrimônio Bantu (ACBANTU), Yoná Pereira da Silva, Yalumi Fã. “Achei uma atividade importante, necessária, porque história é tudo. Então vai contribuir para fortalecer a questão da identidade do município. E a gente acredita que as próximas gerações vão ter acesso ao material que vai ser produzido a partir dessas atividades e vão ter mais condição de ‘brigar’ para a melhoria de coisas dentro do município, principalmente da construção e efetivação de políticas públicas”.
A agricultora e representante do Comitê das Associações de Massaroca, Jousivane Santos, da comunidade tradicional de Fundo de Pasto Lagoa do Meio complementa, enfatizando que foi uma construção compartilhada e com diversidade. “É uma reflexão histórica de tudo o que já aconteceu e que serve de embasamento para construir outras políticas que venham a acontecer no futuro. Uma construção muito dinâmica e coletiva, porque as experiências de todas as pessoas, de várias idades, de várias fases, foi construída de igual para igual, com diversas experiências e conhecimentos”. Jousivane destaca ainda que essa construção coletiva de base é fundamental “porque quando é construída só pelos poderes, ela não é eficaz, porque não parte de uma realidade vivenciada”.
O jovem Joaquim Laranjeira, militante do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM), pontua que através da construção da linha do tempo “é possível compreender sua história, identidade e evolução ao longo dos anos; para que, a partir do passado e do presente, a gente possa correr atrás de um futuro mais justo, brilhante e equilibrado. Além disso, serve de exemplo para outros municípios, para que possam resgatar suas histórias de forma coletiva”.
A atividade contou com a participação de 40 pessoas, dentre jovens, mulheres, agricultores/as, lideranças comunitárias, integrantes de comunidades tradicionais de Fundo de Pasto, professores/as universitários, comunicadores/as sociais, equipe do Irpaa e representantes do setor privado.
Após a construção coletiva da linha do tempo municipal, será realizado, em novembro, o “Fórum Multiatores”, para compartilhar a sistematização e dialogar sobre os seguintes parâmetros: bens naturais, qualidade de vida, organização, políticas públicas, conhecimento e dinâmicas de inovação; além de ser um evento para possibilitar a compreensão e evidenciar as mudanças ocorridas no município.
O projeto “Cultivando Futuros: transição agroecológica justa em sistemas alimentares do semiárido brasileiro” é uma realização da AS-PTA, Brot fur de Welt e Rede ATER Nordeste de Agroecologia; com financiamento do Ministério Federal da Alimentação e da Agricultura da Alemanha (BMEL, na sigla em alemão). Através da Rede ATER Nordeste de Agroecologia, o Cultivando Futuros está sendo realizado nos estados da Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe.
Texto: Lorena Simas e Lealda Santos | Edição: Vagner Gonçalves
Fotos: Lorena Simas e Alane da Silva
Eixo Educação e Comunicação do Irpaa