Empório Kaeteh fortalece agricultura familiar, agroecologia e grupos de mulheres camponesas no Sertão do Araripe, em Pernambuco

Empreendimento inaugurado nos anos 2000, em Ouricuri (PE), já promoveu a diversificação da produção na região e a inserção da agricultura familiar, em especial das mulheres, em novos mercados, gerando aumento de renda e autonomia

Organização: Centro de Assessoria e Apoio aos Trabalhadores e Instituições Não-Governamentais Alternativas (CAATINGA)

Reportagem: Centro de Assessoria e Apoio aos Trabalhadores e Instituições Não-Governamentais Alternativas (CAATINGA)

Texto: Mylena Melo e Katia Rejane

Fotos: Katia Rejane

No Sertão do Araripe, em Pernambuco, a maior parte das terras destinadas à agricultura está nas mãos da agricultura familiar ⎼ e há uma forte tradição de organização dessas famílias em sindicatos, associações, conselhos e movimentos de luta pela terra. Mas a comercialização da produção sempre foi um gargalo. Por isso, em 2004, algumas dessas famílias, assessoradas pelo Centro de Assessoria e Apoio aos Trabalhadores e Instituições Não-Governamentais Alternativas (Caatinga), criaram um ponto fixo de vendas em Ouricuri (PE): o Empório Kaeteh. Passados mais de quinze anos, o espaço se transformou em uma importante ferramenta de articulação e fortalecimento da agricultura familiar e dos grupos de mulheres da região. 

Para fazer a gestão do Empório, foi criado o Centro de Produtores Agroecológicos do Araripe (Copagro). No início, 28 famílias eram associadas. Hoje, já passam de 70 ⎼ e os avanços não param por aí. A iniciativa também vem estimulando a diversificação da produção na região e a inserção da agricultura familiar em outros mercados, como a feira que acontece toda quinta à noite e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

Através da Copagro, mais de cem famílias fornecem alimentos para as escolas do município de Ouricuri. Só nos últimos cinco anos foram destinados pelo PNAE mais de meio milhão de reais para compra de alimentos dessas famílias. Todos produzidos com base nos princípios da agroecologia ⎼ dentre eles, feijão de corda, farinha de mandioca, carnes de caprinos e ovinos, polpa de frutas, hortaliças, legumes. “Todo ano a gente faz visitas a algumas famílias, para ver como está a produção, porque o nosso foco é vender só produtos da agricultura familiar que não tenham uso de insumos químicos”, conta a presidente da Copagro, Wânia Lima.

Em 2015 os sequilhos também entraram para o cardápio da  alimentação escolar. Depois disso, muitas mulheres da comunidade começaram a produzi-los, o que gerou um aumento de renda, autonomia e participação. “Antes era só o homem que ficava a frente dessa produção. E com o passar do tempo a gente vê que a mulher está mais à frente dessa produção, e também na criação de animais, no roçado, no quintal produtivo, nos grupos, no artesanato”, conta Wânia.

Vale destacar que, mesmo durante a pandemia, período em que as compras da agricultura familiar no âmbito do PNAE foram suspensas em muitos municípios, o Copagro continuou fornecendo para o Programa e colocando comida saudável na mesa das crianças e adolescentes ouricurienses.

Aberto de segunda à sexta, o Empório funciona como espaço de troca e aproximação entre campo e cidade, além de proporcionar à comunidade o acesso a uma grande diversidade de alimentos agroecológicos. Grande mesmo. Tem pimenta de cheiro, couve, rúcula, alface, espinafre, cenoura, beterraba, pepino, quiabo, batata doce, macaxeira, banana, pinha, mamão, manga, laranja, goiaba, caju, acerola, umbu, coco, melancia, feijão, farinha de mandioca, sequilhos, doces, licores, queijo coalho, ovos, manteiga de garrafa, carne de ovinos, caprinos e suínos, galinha caipira, peixes, xaropes caseiros, sabonetes, castanha de caju, mel, polpas de frutas e outros.

No início, havia dificuldade de comercializar alguns alimentos, como as carnes, porque o Empório só contava com uma geladeira. Mas, aos poucos, com o apoio de projetos como o Novas Rendas Sertanejas, do Caatinga, e o projeto Ecoforte, foi possível melhorar a estrutura, ampliar o espaço, adquirir um freezer e máquinas de cortar carne. Além disso, hoje o Empório conta com um funcionário e uma diretora, ambos remunerados, que organizam o espaço e fazem o atendimento ao cliente.

Outro avanço foi na remuneração das famílias produtoras. No início, o produto só era pago depois de vendido. Hoje, em função da melhor estruturação do empreendimento, as famílias recebem o pagamento no momento em que entregam os produtos no Empório.

Quando a pandemia começou, o Empório chegou a ser fechado por alguns dias, mas logo avaliaram que era melhor continuar ofertando alimentos de qualidade à comunidade e garantindo a renda das famílias produtoras nesse período. Por isso, voltaram a abrir as portas, seguindo todos os protocolos de segurança contra a Covid-19, e investiram nas redes sociais para divulgar os produtos. O resultado foi um aumento de quase 70% nas vendas.

Nesse período, o espaço também serviu como ponto de coleta de doações de alimentos e itens de higiene pessoal para famílias em situação de vulnerabilidade social, incentivando a solidariedade e fortalecendo os laços comunitários na região.

“A gente perdeu o medo de produzir”

Todo dia, Assis Barreto, de 48 anos, acorda às 4h30, assiste o primeiro jornal do dia e vai, junto com o filho, Aedso Tavares, de 22 anos, cuidar do gado e tirar o leite ⎼ que, mais tarde, vai virar queijo nas mãos de Eliziene Tavares, sua esposa, de 39 anos. Enquanto isso, ela encara a “luta de casa”, como ela mesma chama. Faz o café da manhã, cuida dos canteiros no quintal e organiza a casa. Também é ela a responsável pela venda da produção da família e a administração dos recursos.

Ambos são filhos de pais e mães agricultores da região. Ela, nascida em Bodocó. Ele, nascido em Ouricuri. “A gente não tinha água nenhuma quando a gente se casou, era um sacrifício”, conta Eliziene. Eles plantavam as frutas bem perto umas das outras, para diminuir o percurso percorrido com o balde pesado, com a água que pegavam na casa do sogro. A situação só mudou depois que a família recebeu duas cisternas, do Caatinga e da ONG Chapada, através de programas da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA). Com isso, foi possível introduzir a criação de animais e diversificar a produção de frutas, legumes e hortaliças.

Hoje a família de Eliziene produz macaxeira, batata doce, acerola, pinha, graviola, laranja, manga, siriguela, coco, pitomba, banana, cebolinha, tomate cereja, alface, coentro, couve. Também tem uma pequena criação de gado, galinha e porco. Uma parte alimenta a família. “Aqui a gente se alimenta quase tudo do que a gente planta, a única coisa que ainda está vindo do supermercado é o arroz”, conta Eliziene. Outra parte vai para o Empório Kaeteh. “Pra minha família é fundamental entregar pro Empório os produtos que a gente produz. Quando a gente passou a vender pro Empório, a gente perdeu o medo de produzir, porque antes a gente tinha uma insegurança. Produzia, mas tinha medo de não ter a quem vender”.

Essa fotorreportagem é uma publicação da Rede Ater Nordeste de Agroecologia e recebeu financiamento do Fida, Funarbe, UFV, IPPDS e AKSAAM.

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