Bodega Agroecológica promove autonomia e empoderamento de mulheres do semiárido paraibano
Organização: Programa de Aplicação de Tecnologias Apropriadas (PATAC)
Reportagem: Mylena Melo e Simone Benevides
Fotos: Arquivo – PATAC
Jerimum, melancia, milho, feijão, maxixe, capim santo, acerola, doce de umbu, favas, manteiga de garrafa, ovo caipira, leite, polpas de frutas, cumaru, mel. Essa é uma pequena lista do que se pode encontrar ao chegar na Bodega Agroecológica, em Soledade (PB). Mas o que não se vê à primeira vista talvez seja a parte mais importante dessa história: há quase quinze anos o espaço promove o empoderamento e autonomia das mulheres camponesas ⎼ protagonistas desde o planejamento até a produção e comercialização.
“Eu estava acorrentada. Não tinha renda. Calçava e vestia porque meu pai e mãe me davam. Foi na Bodega que eu vi a oportunidade de ter renda. Comecei fazendo uns biscoitos de nata, colhi couve e maracujá. Estava indo pra João Pessoa e deixei os produtos na Bodega, pra fazer um teste. Quando cheguei em João Pessoa recebi uma mensagem [dizendo] que os biscoitos eram um sucesso e pediram mais”, conta Sara Maria Constâncio, de Cubati. “Eu vejo a Bodega como um ponto de partida na minha vida”, completa.
A necessidade de fazer a venda direta ao consumidor, sem depender de atravessadores, surgiu entre as famílias do Coletivo Regional das Organizações da Agricultura Familiar (Coletivo) em meados de 2008. Vendo essa demanda, a equipe do Programa de Aplicação de Tecnologia Apropriada às Comunidades (Patac) resolveu promover uma visita a um espaço de comercialização das famílias acompanhadas pela Casa da Mulher do Nordeste, em Afogados de Ingazeira (PE).
As mulheres do Coletivo que participaram da atividade contam que, na época, voltaram encantadas para a Paraíba. No caminho já estavam montando a estratégia para abrir um espaço próprio e comercializar os produtos cultivados sem veneno. Não demorou pro sonho virar realidade. Meses depois, a Bodega foi inaugurada.
De lá para cá, já foram muitos os desafios enfrentados e as conquistas alcançadas.
A dependência de um espaço alugado sempre foi motivo de aperreio para o coração das famílias produtoras. De certa forma, ainda é, mas uma parceria com o governo do estado trouxe algum alívio para essas mulheres que já encaram tantas lutas todos os dias: em 2019 o governo inaugurou a Casa da Economia Solidária em Soledade e a Bodega passou a funcionar no mesmo espaço, sem a necessidade de pagar aluguel. O que só aconteceu graças à mobilização e diálogo das mulheres da Bodega junto ao poder público.
Toda a gestão do empreendimento é feita pelas próprias famílias. Para isso, são organizados grupos de trabalho (GT) temáticos. A configuração do GT de acesso à mercados é mais uma demonstração da importância da participação feminina na Bodega: 95% do grupo é formado por mulheres.
“Todas nós, quando falamos, nos emocionamos, pois esses desafios têm sido enfrentados a partir da organização do GT de acesso a mercados e dentro do espaço da Bodega. Ele abriu portas para as mulheres, para buscar outros mundos. Tudo começou aqui. Muitas mulheres se projetaram e se empoderaram aqui”, conta a coordenadora do Coletivo, Maria Betânia Buriti.
Essa experiência levou à criação de um grupo de animação (GA) de mulheres, onde são discutidos temas como as relações de gênero, a violência doméstica e o feminismo. O grupo ainda denuncia, acolhe e dá assistência às mulheres vítimas de violência doméstica.
“A Bodega vai além de ser um espaço de comercialização, ela é um espaço político”, afirma a assessora técnica do Patac, Verônica Moura.
Além da venda direta aos consumidores, que aproxima campo e cidade, a Bodega também abriu outras portas para as famílias produtoras, que começaram a participar de feiras da região e a se inserir nas chamadas públicas do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). O espaço ainda promove a circulação dos produtos entre as famílias agricultoras, já que uma compra da outra aquilo que não produz em sua terra.
Construindo novos futuros
Vera Lúcia Apolinário Dionizio tem 51 anos. Nasceu na zona rural de Soledade, na comunidade Baé. Ela, seus dezessete irmãos, o pai e a mãe viviam em um sítio pequeno. Aos 20 anos ela resolveu deixar a roça e ir trabalhar como empregada doméstica em Campina Grande ⎼ onde conheceu seu primeiro marido, com quem teve uma filha, Larissa. Depois de algum tempo a família voltou para o campo e Vera começou a participar dos movimentos de trabalhadores rurais. “Ele [o marido] me batia pra eu não ir nas reuniões, mas eu enfrentava ele e ia, porque eu gostava muito”, conta Vera.
Cansada das agressões, e empoderada pelos encontros e palestras que debatiam a problemática da violência doméstica, Vera terminou o relacionamento. Anos depois, em 2008, ela conheceu Jozenildo Torres Lopes, seu atual companheiro, que já fazia parte do Coletivo Regional das Organizações da Agricultura Familiar e, até hoje, dá todo o apoio para que ela participe dos movimentos sociais.
Quando eles se casaram e foram viver no Assentamento Arcanjo, só havia catingueiras, juremas, baraúnas e um pequeno cultivo comercial de tomates. Juntos, eles construíram uma casa, conseguiram instalar uma cisterna, compraram vacas e ovelhas, começaram o cultivo de plantas medicinais e frutíferas. Aos poucos foram diversificando a produção e dando os primeiros passos na venda à comunidade, através da Bodega e dos novos mercados abertos por ela, como a feira e o PNAE. “A bodega valorizou o nosso produto. Além disso, é um canal de divulgação também”, afirma Vera.
A história de Vera é, também, a história de muitas outras mulheres, que através dos movimentos sociais e da organização coletiva conseguiram romper com a violência e construir um novo futuro.
Essa fotorreportagem é uma publicação da Rede Ater Nordeste de Agroecologia e recebeu financiamento do Fida, Funarbe, UFV, IPPDS e AKSAAM.
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