Polo da Borborema e AS-PTA atualizam diagnóstico sobre a agricultura familiar no território que envolve 13 municípios

“A gente sempre fez questão de contar as histórias do passado, que vêm da memória da gente e que nos ensinam muito. Fazemos isso de 1950 para cá, porque é importante revisitar o passado para entender o presente. Nestes dois dias, queremos observar as mudanças que a agricultura vem passando no nosso território nos últimos 10 anos. A partir disso, vamos elaborar propostas concretas para ajustar nossa ação e influenciar as políticas públicas”.

Com estas palavras Luciano Silveira, da AS-PTA, anunciou a missão das cerca de 80 pessoas reunidas no Convento Ipuarana, em Lagoa Seca, na terça e quarta-feira desta semana (29 e 30 de outubro). Eram lideranças sindicais e comunitárias, todos agricultores e agricultoras familiares que moram em 13 municípios de atuação do Polo da Borborema, além de assessoras/es técnicos da AS-PTA.

O Polo é um coletivo de 13 sindicatos rurais e cerca de 150 associações comunitárias que defende, há 25 anos, um projeto de desenvolvimento baseado na agricultura familiar agroecológica e na convivência com o Semiárido. A ação do Polo tem a assessoria técnica e política da AS-PTA.

O primeiro momento do encontro foi se conectar com a paisagem do território nas décadas anteriores (de 1950 a 2015) para perceber as transformações ocorridas. Foi um exercício pautado nas linhas do tempo já elaboradas anteriormente de forma coletiva e nas memórias de quem estava presente.

O exercício seguinte foi a observação dos últimos 8 anos (de 2016 a 2024). Para tanto, foram feitos subgrupos de acordo com as molduras ambientais presentes na área de atuação do Polo: Brejo, Agreste e Curimataú.


A missão de cada subgrupo foi identificar os principais fatos que acontecem no campo a partir de várias dimensões: atividade econômica agrícola e não agrícola; tipos de agroecossistemas; meio ambiente; estrutura agrária; organização da agricultura familiar, cultura e religiosidade; conhecimento; mercados e beneficiamento; ações do Estado e políticas públicas; infraestrutura; desafios, ameaças e conflitos. Este olhar era guiado pela intenção de identificar as principais mudanças percebidas no território que afetam a prática da agricultura familiar nos dias atuais.

Os fatos observados e as reflexões realizadas nos subgrupos sobre as mudanças estruturais foram compartilhadas na manhã do segundo dia entre os/as participantes. O que se evidenciou, de forma geral, foi uma intensa transformação no uso da terra.

O território, que passou por um processo da reforma agrária que dividiu extensas fazendas em áreas de assentamento para milhares de famílias, está vivenciando um fenômeno de reconcentração agrária.
O envelhecimento da população rural, com o êxodo dos mais novos, o desmonte das políticas públicas num período recente, a violência no campo, a alteração do clima e do regime de chuvas e o crescente interesse pelo campo por quem não se dedica à agricultura são elementos que, de forma geral, interferem nessa reconcentração.

Além disso, se percebe claramente outra mudança com relação à água. Antes doadas, as águas de diversas fontes viraram mercadoria que se vende nas comunidades rurais e urbanas. Por conta disto, o brejo – área mais úmida – passou a ser muito perfurado para extração de água do lençol freático por poços artesianos. Isso tem acarretado uma sequidão no solo com interferência direta no ciclo de vida das fruteiras, uma das principais culturas deste ambiente climático.

Também se falou sobre desmatamentos em grandes áreas para virar pasto para animais ou para monocultivos de hortaliças, no caso do brejo. E de novas pragas que têm afetado algumas culturas como a do feijão macassar.

“Como enfrentar o aumento substancial dos agrotóxicos devido ao aumento das pragas? Os agricultores se veem num dilema: ou produzem com veneno ou deixam de produzir”, pontuou Nelson Anacleto, da diretoria do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Lagoa Seca e vereador eleito pela quarta vez no município, nas eleições passadas. Neste caso, Anacleto se referia às famílias que estão fora do processo de transição agroecológica estimulada e orientada pelo Polo na região.

“A gente sentar e olhar para as microrregiões que compõem o território do Polo é muito importante para que a gente possa entender as situações e, juntos, possamos encontrar caminhos que fortaleçam a agricultura familiar e nos organizando mais ainda, reforçando a questão das mulheres e dos jovens rurais, olhando também para a sucessão rural e sucessão sindical”, avaliou Edson Johnny, uma das lideranças jovens do Polo e do Sindicato de Esperança.

Os fenômenos observados neste diagnóstico serão sistematizados para, ainda este ano, serem analisados não só por quem faz parte da dinâmica do Polo, mas gestores públicos e outros atores sociais que atuam no território para construir encaminhamentos para o fortalecimento dos sistemas alimentares baseados na agroecologia, por meio da incidência política.

Estas atividades são realizadas no âmbito do projeto Cultivando Futuros: transição agroecológica justa em sistemas alimentares do semiárido brasileiro, que está sendo executado pelas 12 organizações da sociedade civil que fazem parte da Rede ATER Nordeste de Agroecologia, incluindo a AS-PTA. A iniciativa é fruto de uma parceria entre a AS-PTA e a agência de cooperação internacional Pão para o Mundo (Brot fur de Welt, no nome em alemão), com financiamento do governo alemão, através do Ministério Federal da Alimentação e da Agricultura da Alemanha (BMEL, na sigla em alemão).

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